De "CARTAS A UM JOVEM POETA", adaptado..
Adaptar Rilke? Que audácia, mas necessária... Parte de Cartas a um Jovem Poeta, adaptado de Rainer Maria Rilke.
"Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias porque já não compreendemos nossos sentimentos que se tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque num relance, todo o sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer.
Eis porque a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, penetrou no seu mais íntimo recanto. Nem está mais lá, já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu; no entanto ficamos transformados, como se transforma uma casa em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira, para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir a acontecer.
O momento aparentemente imóvel em que o futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos pacientes e entregues, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino. E quando, num dia ulterior, isso vier a acontecer, isto é, quando sair de nós para chegar aos outros, senti-l-emos familiar e próxima. Deve ser assim, é preciso - e a evolução de cada um de nós, aos poucos, há de processar-se nesse sentido - que nada de estranho nos possa advir, senão o que nos pertence há muito tempo.
No fundo, só uma coragem nos é exigida: a de sermos corajosos em face do estranho, do maravilhoso e do inexplicável que se nos pode defrontar. Por se terem os homens se mostrado covardes nesse sentido, foi a vida prejudicada imensamente. A ânsia em face do “inesclarecível ‘ não empobreceu apenas a existência do indivíduo, como também as relações entre os homens, que foram retiradas do leito de possibilidades, para ficarem a ermo em algum lugar na praia.
Não é apenas a preguiça de mudar que faz as relações humanas se repetirem numa indizível monotonia; é também o medo de algum acontecimento novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes. Somente quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático , poderá viver sua relação consigo e com outrem como algo de vivo, e ir até o fundo de sua própria existência.
Havendo no mundo espantos, são os nossos; abismos, eles nos pertencem; perigos, devemos procurar amá-los. Se conseguirmos organizar a nossa vida segundo o princípio que aconselha agarrarmo-nos sempre ao difícil, o que nos parece muito estranho agora há de tornar-se o nosso bem mais familiar, mais fiel. Como esquecer os mitos antigos que se encontram no começo de cada povo: os dos dragões que num momento supremo se transformam em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que agrardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez o medo e o horror, em última análise, não passe de um desamparo que implora o nosso próprio auxílio.
A vida não esquece a nós. Por que desejamos excluir de nossas vidas toda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não se sabe como tais circunstâncias trabalham no nosso aperfeiçoamento? Para que perserguir-se a si mesmo com a pergunta: de será que tudo vem, para onde deve ir? Já não sabemos estar em transição? Desejávamos algo melhor do que transformamo-nos? Se algum de nossos atos for doentio, lembremos que a doença é o meio que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho; é só ajudá-lo a ficar doente, ter toda a sua doença, e deixar a esta o seu curso. Em si, acontece tanta coisa, que se deve ter a paciência de um doente e a confiança de um convalescente, pois talvez sejamos um e outro.
Não nos observemos demais, não tiremos conclusões em demasia do que nos acontece, deixemos os sentimento virem, as coisas acontecerem, senão chegaremos facilmente a encarar com censuras o nosso passado, que naturalmente é responsável em parte do que nos ocorre agora. O "grandioso" não foi aquilo que pensamos ter cumprido, mas o fato de ter existido algo que tivemos a coragem de colocar em lugar daquele engano, algo real, algo verdadeiro. Essa é a transição: abandonarmos os grandes para chegarmos aos maiores. Eis porque não cessa de ser difícil, mas tão pouco cessará de crescer".
"Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias porque já não compreendemos nossos sentimentos que se tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque num relance, todo o sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer.
Eis porque a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, penetrou no seu mais íntimo recanto. Nem está mais lá, já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu; no entanto ficamos transformados, como se transforma uma casa em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira, para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir a acontecer.
O momento aparentemente imóvel em que o futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos pacientes e entregues, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino. E quando, num dia ulterior, isso vier a acontecer, isto é, quando sair de nós para chegar aos outros, senti-l-emos familiar e próxima. Deve ser assim, é preciso - e a evolução de cada um de nós, aos poucos, há de processar-se nesse sentido - que nada de estranho nos possa advir, senão o que nos pertence há muito tempo.
No fundo, só uma coragem nos é exigida: a de sermos corajosos em face do estranho, do maravilhoso e do inexplicável que se nos pode defrontar. Por se terem os homens se mostrado covardes nesse sentido, foi a vida prejudicada imensamente. A ânsia em face do “inesclarecível ‘ não empobreceu apenas a existência do indivíduo, como também as relações entre os homens, que foram retiradas do leito de possibilidades, para ficarem a ermo em algum lugar na praia.
Não é apenas a preguiça de mudar que faz as relações humanas se repetirem numa indizível monotonia; é também o medo de algum acontecimento novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes. Somente quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático , poderá viver sua relação consigo e com outrem como algo de vivo, e ir até o fundo de sua própria existência.
Havendo no mundo espantos, são os nossos; abismos, eles nos pertencem; perigos, devemos procurar amá-los. Se conseguirmos organizar a nossa vida segundo o princípio que aconselha agarrarmo-nos sempre ao difícil, o que nos parece muito estranho agora há de tornar-se o nosso bem mais familiar, mais fiel. Como esquecer os mitos antigos que se encontram no começo de cada povo: os dos dragões que num momento supremo se transformam em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que agrardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez o medo e o horror, em última análise, não passe de um desamparo que implora o nosso próprio auxílio.
A vida não esquece a nós. Por que desejamos excluir de nossas vidas toda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não se sabe como tais circunstâncias trabalham no nosso aperfeiçoamento? Para que perserguir-se a si mesmo com a pergunta: de será que tudo vem, para onde deve ir? Já não sabemos estar em transição? Desejávamos algo melhor do que transformamo-nos? Se algum de nossos atos for doentio, lembremos que a doença é o meio que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho; é só ajudá-lo a ficar doente, ter toda a sua doença, e deixar a esta o seu curso. Em si, acontece tanta coisa, que se deve ter a paciência de um doente e a confiança de um convalescente, pois talvez sejamos um e outro.
Não nos observemos demais, não tiremos conclusões em demasia do que nos acontece, deixemos os sentimento virem, as coisas acontecerem, senão chegaremos facilmente a encarar com censuras o nosso passado, que naturalmente é responsável em parte do que nos ocorre agora. O "grandioso" não foi aquilo que pensamos ter cumprido, mas o fato de ter existido algo que tivemos a coragem de colocar em lugar daquele engano, algo real, algo verdadeiro. Essa é a transição: abandonarmos os grandes para chegarmos aos maiores. Eis porque não cessa de ser difícil, mas tão pouco cessará de crescer".
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